Sunday 22 June 2008

Secret smile

Atravessei a rua, entrei no carro, olhos molhados, um par de escudos na ponta dos meus dedos. As esquinas escuras, como se a cidade estivesse fechada para dormir, ou descansar de alguma rotina barata e desinteressante. Aquele escuro, de alguma forma, remeteu-me um cheiro de tempos atrás, de quando duas almas se encontraram e pararam juntas, querendo fugir da realidade infame que rodeia e rodeia e rodeia tudo e todos. Que me rodeia, me sacode, me confunde, me distorce. Aí tinha um sorriso. Um sorriso-espelho, porque era para mim, era a imagem das minhas cores opacas adentrando um jardim de cores vivas. E tinha algo nesse sorriso que não me deixava ir embora, prendia meus medos, me fazia esperar. Como se ele falasse com a minha amargura e a atirasse ao mar. E tinham luzes, luzes para acender qualquer coisa apagada em mim.
Nesse dia chovia. Mas era uma chuva calma, sorrateira, que veio só para pregar uma peça ou pedir atenção. Era tarde, era quase cedo demais até. Mas parecia um espaço em linha reta, sem começo ou fim. Estava me equilibrando nessa linha reta, cada passo era uma nova pétala abrindo-se. Tinha uma névoa sobre meus olhos baixos que causaram tropeços, mas mantive a calma para continuar a reta, afinal tinha que chegar até um abrigo no meio do caminho. E procurei esse abrigo incessantemente, pois tinha frio demais para aquecer, tinha tristeza demais para sorrir.
O céu estava escuro, o asfalto molhado e a chuva suspensa. Segui em direção ao abrigo. Era um abrigo secreto, ninguém jamais teve acesso a ele, ninguém nunca chegou a conhecê-lo. E eu estava lá, diante do meu único lugar seguro, meu sossego. Entrei com calma, tentei não pisar na grama mal cuidada da varanda, tirei a poeira da janela de vidro, era uma janela bem grande. Tinha tanta água nas paredes, teto e chão... Foi preciso dedicação para consertar as goteiras e buracos do concreto, tapei os buracos com minhas próprias mãos, e depois de algum tempo pude tirá-las e a água secou. Nem me dei conta que as minhas mãos absorveram o molhado do abrigo. Era madrugada, finalmente. Mas eu sentia tanto frio... Veio uma brisa quente de repente e me pôs para dormir no seu calor. A brisa sorriu um sorriso desengonçado, com receios, meio pendendo para um lado, e com um brilho tremendo. Então também sorri. E não conseguia disfarçar a sensação de sossego, de paz. Ela sussurrou que tinha vários sorrisos, mas aquele desengonçado era o seu sorriso para mim, o seu sorriso secreto.
Deixei a janela de vidro entre aberta, era madrugada, tinha orvalho nas plantinhas, um ar úmido, a varanda encheu-se de pássaros pequenos, o cheiro de terra molhada, um balançar continuo e involuntário, que passava das árvores para a minha alma. A brisa cobriu-me o frio. Sorriu-me novamente. Estava em casa.

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