Sunday 4 November 2012

Head over heels



A lua cheia beira ladeira 

Três graus. Pelo rádio, a terra em chamas. O cais, uma ladeira. As ondas, o silêncio. Eu também gritava esse silêncio.  Gritava para escutar a cor anis da segunda lua cheia de agosto. E quando a tua música começou a tocar, sentia um embaraço percorrendo meus lábios, um nó atado pela tua ausência, pela tua presença, também. Não iria nunca mais dançar. Pés, cintura, mãos, olhos, batimentos, tudo acompanhava o teu ritmo. E eu pensava, ao olhar todas aquelas sereias cantando na ponta da pedra escura, na pedra que era também submersa, - na avalanche que me deitava o corpo e fazia-se meu - que, devagar, aquele canto me cegaria até apagar as coordenadas de volta pra casa e criar guelras, escamas, espinha, até não dormir, sem pálpebras, sem sono, sem nada além da fissura estampada na primeira página de um jornal diário. 

E ao acordar, muitas vezes em cima do cantil vazio, regurgitava o último pensamento, que virava o primeiro de um novo dia navegando: em algum lugar, a gente dançava, a gente existia sim. Mate-me. 

Desci o barquinho preso na popa do navio. O prendi com uma corda larga e nos joguei no mar. Era noite de lua, ainda. Só pensava que poderia desprender aquela corda e ir nós marítimos atrás do teu cais. Que beirava aquela lua toda. Ela era azul, eu te encontraria. O teu olhar caiu no breu. Não queria saber se era uma quimera, se era paisagem, miragem, vertigem. Era a tua voz entoando nas pequenas ondas, já tão próximas do meu barquinho sem motor, preso na corda, preso, na verdade, a uma lástima, a uma euforia, a uma rebelião sentimental, um esquecer permanente, que me fazia soterrar somente àquele momento. Subi pela corda. Joguei a âncora em alto mar. Já não tinha razão alguma para esperar ela afundar em terra submersa. Voltei ao barquinho. Agora com um remo, uma alga colorida, uma garrafa vazia, cheia de papel. A lua se aproximava. Não era sereia. Era irremediável, o continuar. 

Remei ate o farol do cais. Do teu cais. Mucuripe. O nome do teu cais arrebatava as ondas calmas com meu remo. O teu gosto me invadia sal à dentro, maresia confundida com suor. Será que todas as noites de lua eu sairia, assim, cigana, pra te procurar? Ah, mas era você... Era tudo que eu via naquela névoa sem linha de horizonte, entende? Era sua a direção estampada na minha bússola.  A luz do farol estava verde, por causa da névoa. Seria difícil te encontrar em outra cor. O teu amor faz cometer loucuras. Era o que minha boca seca sussurrava ao se aproximar daquele cais. E que te prometi um beijo no píer. E pensava que qualquer lugar seria um píer, quando era você. É que estava sempre a margem de algo infindo. O mar é infindo. O píer, uma margem.

A lua se desfazia em seu provável último raio. O céu já vermelho. O farol nem piscava mais. Era carnaval em agosto. Era carnaval o ano inteiro. Era carnaval porque o botão da tua blusa amarela caiu na rua de pedra e era quarta feira de cinzas. E eu ficaria ali, assistindo, em terra firme, o teu dia, a tua lua se desflorar e virar outro mês, outra hora, outra vez. Outra vez ali, e sem você também. Mas o que mais me atraia em ir deitar no teu cais, na lua cheia, era que você, esporadicamente, deveria ir ali, também. Então, em algum tempo-espaço, a gente dança, naquele mesmo cais. 

E, na areia, distraída, achei outro botão. Sabe aquelas conchas que achamos? Aí a gente encosta nelas e escuta o ronco do mar. Ali sem água, mesmo no concreto, o ronco dele está perto. Encontro botões, assim, também. Na areia, no vidro, no mar. E, mesmo distante, assim como as conchas estão do mar, te escuto chegando. Escuto você sussurrando sua volta ao cais.




Thursday 1 November 2012

Careless whisper



 Os dragões também dizem sim ou O hibrido escafandro

A água ficou vermelha. Um oceano inteiro nos meus olhos. Virei escafandro. Ao nadar por aquelas águas, tudo parecia genuinamente meu. É que, no azul, não poderia mergulhar. Não sabia aonde ir, como chegar, como voltar. Seriam seus os sinais, se era azul, também, o seu sorriso, da cor do seu adeus. Tudo permanecia azul, porque você era azul, sereia. 

Num mar vermelho, turvo, esquecido, estava tudo bem. Desci até sentir a pressão entrar no meu peito. Ou sair. Fechei os olhos. Era minha única opção: achar o rosto por trás da voz. É que estava condicionada a ver seu rosto em qualquer parte do mar. Eles só viam pedaços do teu corpo, lembracas do teu mapa, algas do teu girassol, conchas em teus botões, azul da cor da tua janela. De olhos fechados, não via tudo você. Poderia reconhecer teu canto, o verdadeiro. Fechados. Já fazia um tempo em que não nadava com ancora, corda presa nos pés. Machucava tuas barbatanas. Cada vez mais, você virava do mar. Quase não saia mais pra superfície, o azul também era tua casa. 

Eu tinha ar para sete minutos. Agora seis e cinqüenta e três. Dancava no profundo vermelho. No finito... Tuas mãos em minhas mãos. Sentia teu ar no vidro do escafandro. Meus pés de pato, tua calda. Um satélite energizando a água, de vermelho para o negro. Sumimos. Na dança, nadávamos. Na velocidade, imprecisa, de nós marítimos humanos. O satélite no vidro entre o teu rosto e o meu ar de quatro minutos e vinte. Não poderia escapar. Prendi a respiração, ainda você no vidro. Segura meu ar, sereia. Me segura. 
Saí do vidro. Já não era mais escafandro. Era híbrido, terminantemente escasso, participante do teu mundo de guelras. Um vôo em emergência, num mar completamente vermelho. Abri os olhos. Abri os olhos no azul dos teus. Desencadeava algo que chamavam de Sol do Dragão. Era o mar vermelho, pelo fogo que os dragões marítimos carregavam, e queimava a água inteira. Sem poder despejar tanto fogo, a pigmentação corroia toda a maré. E nessa maré, era possível ver todos os, também híbridos, seres ciano-magenta que permaneciam camuflados, meio a todo o azul do oceano. A densidade no Sol do Dragão era mais intensa, então estávamos todos em desaceleração constante. Estávamos presos no tempo dos dragões. O meu ar de quatro minutos e vinte reduziria, ou acabaria, ou estenderia por horas. Estava a todo vapor, a mercê do Sol hibrido desacelerado em construção. Você continuava azul. Sua dança em movimentos parcialmente espaciais. Seu sorriso destruía, calmamente, a minha pressão submarina. Meu coração, agora hibrido, parava e soluçava em voltas quando sua dança chegou a mim. Ela tocou, milimetricamente, todos os fios da minha cor inexata oceânica. Sua calda esparramada na agora nossa dança. “Não dói”. 

Estávamos à queima roupa. Dois passos em velocidade lunar. Os cavalos percorriam nossa atmosfera em passos acelerados, cabeça pra baixo, círculos violentos de ar pelos poros azulados. Firmamos as mãos, adágio. Collé. O submundo marítimo sucumbia pelo mar vermelho. Abissais tentavam chegar a terra para descolorir a indevida freqüência que os dragões pintaram.  Híbridos corpos em devant. Costas arqueadas. Nenhum marujo havia beijado a boca de uma sereia, antes. Era letal para qualquer sentido humano. Mas no Sol, com o mar vermelho, também era um ser do mar. Não haviam lábios a serem tocados. Só aquela sensação de perder-se. Eu sabia que se ficasse, ela estaria sempre ali. Peixes pescadores se misturavam a esponjas, sua luz já não iluminava. Espectros e corais continuavam em ordem, em descanso e luto absoluto. Sissone. Salto em duas pernas, caindo em uma só. Estando em uma só. Era a ultima coisa que queria fazer. Passaria o resto de meu tempo tentando lembrar apenas daquela sensação de ser Azul, de ser organismo parte do teu mundo.
Uma correnteza enviesada para cima. O mar escurecia. A noite caia ali, também. Caia e levava com ela a cor vermelha dos dragões. Ouviam-se sussurros quentes, eles iam embora, deixando todo o azul do mar no seu devido estado de outrora. A correnteza me levava para a beira daquele oceano. Ah, você. Voce que é daqui. Eu que não fico. Que também não vou... Não vou porque resisto exatamente assim. Resisto na cor mais bonita. Na tua cor. 

Vinte e cinco segundos de ar. De cabeça pra baixo, retornava a superfície. Minha roupa de escafandro pairava há alguns metros dali. Ainda era dia, pelo céu. Pelo mar, era noite. Nadei até o navio. No vidro da cabeça submarina, marcava os mesmos quatro minutos e vinte. Eu estava suspensa, no tempo dos dragões.  Permanecia em você, à queima roupa. “Não dói”

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