Sonho no convés
A tempestade estava quebrando, ou, pelo menos, parecia. Não estávamos
a bordo de nada. A bombordo de nada. Era um espesso frio que descia pela espinha.
Que circulava as nossas mãos, que não se tocavam em nenhuma hipótese. Era um
áspero espasmo que tremia as fissuras daquela areia submersa, que a gente,
também, não toca. Quanto mais perto de te tocar estava, mais a correnteza nos
punha onda abaixo, aquele respirar contínuo, boca aberta. A nossa temperatura
não condizia com a do mar. A voz falhava, não existiam hipóteses, nem
horizonte, nem veleiro, nem âncora. É sempre inverno naquela espuma em neve,
que voa com o vento. É sempre um inverno calmo, sombrio. A gente não enxerga
debaixo d’água. Mas te via, mesmo assim, cada vez mais longe. A tempestade
fazia caminho inverso, ela acalmava assim que os minutos faziam você afundar. A
gente também não tinha fôlego, foi como desistir de estar em um lugar que te
pertence. Foi exatamente assim que afundamos. A sua mão, braço, colo, oxigênio,
pintavam o breu, precisamente. Não doía.
Quando você sentiu a areia gelada lá do fundo. Sem estepe,
fazendo fumaça, era como se afundasse, também.
A água parecia invadir o barco, parecia estar batendo na
âncora, parecia ter alguém preso lá. Era como estar pescando e sentir a isca
sendo apanhada. Aquele mesmo movimento inquieto da linha. Puxei os cabos até a
proa. Uma sombra se debatia entre a pata e a cruz da âncora. Não dói. Acordei
de ti.